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Nasci em Minas de S. Domingos, uma pequena aldeia do Baixo Alentejo, no dia 19 de Maio de 1955. As minhas raízes são fortemente alentejanas. Cedo se revelou o meu gosto pela escrita. Comecei por escrever histórias, versos, poemas curtos mas longos no sentimento. Aos poucos foram crescendo, ganhando alma, criando à minha volta desejos, desnudando sentimentos onde encontrei muito para chorar. Quando escrever se tornou para mim uma dependência compreendi que era através da escrita que encontrava sossego sempre que sopros grosseiros de desordem invadiam a minha vida. Escrever é para mim um enorme prazer mas é também preocupação e responsabilidade: Preocupação como forma de disciplina, responsabilidade como contrapartida de uma vida livre. Escrevo pondo de lado todos os medos, e desfruto desse acto criativo, inventando, porque a literatura é uma invenção. Com frequência os meus livros nascem de ideias abstractas que vão ganhando forma à medida que as personagens se vão dispondo e arrumando sem conflituosidade. Escrevo com o coração, reescrevo com a cabeça e, por fim, dou-lhe alma.

terça-feira, 1 de março de 2011

«A OLGA DO CATORZE» excerto de: NO DORSO DO VENTO

...O crepúsculo matutino da serra fazia-se anunciar quando o João abriu de par em par as cortinas do seu quarto. Enfiou, resoluto, os chinelos, o robe de seda e correu para o banho. Este foi longo e saboroso e, ao inundar-se de frescura, a preguiça da manhã desfazia-se aos poucos, deliciosamente. Olhou-se no espelho, ajeitou o bigode, sorriu e reparou que estava visivelmente bem-disposto. Desceu para o pequeno-almoço, beijou a mãe, apertando-a contra o peito e até sorriu para a criada gorda, de rosto avermelhado, que lhe deu a sensação de naquela manhã, em vez de usar o sabonete, ter usado o rolo de palha-d'aço... Depois reparou no pai, sentado à sua frente, de olhar tenro e calmo, com os dias a passar devagar. Só a alegria de ter os filhos por perto lhe devolvia um pouco da euforia perdida ao longo dos anos.
«Como se envelhece rapidamente!» - pensou. «A velhice é uma certeza inconsútil que nos obriga a recolher, que extingue um fogo que imaginamos eterno e que se torna apenas memória. Mas é também um sentimento que não nos magoa ou maltrata. Sentimos uma espécie de amor e ódio quando começamos a recordar episódios da nossa vida passada, que muitas vezes não escolhemos viver, mas que fazem a nossa história».
Falou durante todo o tempo, engasgando-se entre o café saboroso e as torradas embebidas naquela compota que só a mãe sabia fazer. Todo ele era saudade e contentamento por estar ali. Voltou depois ao seu quarto, vestiu-se com a elegância do costume, ajeitou novamente o bigode e saiu. Daria umas voltas pelas redondezas. Observando aquela paisagem verdejante, gravemente tocada pela humidade da noite, o velho eucalipto erguia-se, forte, de tronco grosso com ramos espalhados e possantes, tremeluzindo na tela daquela manhã fresca a exaltar o cheiro da madeira húmida. Havia outras árvores mas nenhuma tão venerável e imponente como o velho eucalipto, cujas raízes nuas se estorciam no solo pisado, e cujas folhagem, à luz daquela manhã, parecia um leque de espinhos. respirava no peito a alegria daquele regresso. Parou defronte da casa dos D’Ávila e recordou a Menina Jacinta, adolescente encantadora, de olhos grandes e ingénuos, de alguns anos atrás. Mas este recuar no tempo  fazia-o sorrir, criando no seu corpo e espírito um espaço acolhedor. Por momentos, sentiu saudades.
Tinha, ao longo dos anos, trocado o curso de Economia que prometera ao seu pai pelos sucessivos carimbos no passaporte das muitas viagens que fizera pelo mundo. Era frequente vê-lo na companhia das mais belas mulheres, que, pela firmeza e audácia nestas coisas do amor, sempre eram muito apetitosas. As mulheres na sua vida eram uma constante. Achava mesmo que vivia em função delas. Era muito estimulante ver-se excitado pelas suas companheiras.
- «Nunca sou eu que possuo as minhas amantes... elas é que me possuem a mim.». E nestas coisas do amor, achava-se tão conhecedor, e já tinha vivido tanto, que facilmente concluía poder dar uma vastíssima Enciclopédia sexual. 
Tudo começou por volta dos quinze anos. Era uma figura insegura e as erupções que ameaçavam a lisura da sua pele anunciavam um crescimento precoce. A força da natureza despontava com intensidade, fazendo-o, quase todas as noites, sonhar com mulheres.A masturbação frequente já não era a solução para o apelo sexual que o atormentava, e assim, logo que terminava a escola, vinha do Largo do Carmo a pé até à Baixa, em incursões quase diárias. Naquele tempo a Rua da Palma desembocava no Largo do Martim Moniz, onde, muito perto, havia uma ruela estreita de aspecto quase medieval que se chamava «Rua das Atafonas». Ali existia uma taberna escura, cujo dono, um «galego» sempre com o mesmo aspecto e a mesma roupa, dava assistência a uma frigideira onde as «iscas» fritavam em óleos velhos de uso constante. Mas mesmo assim era um bom petisco e havia clientela rasca sempre disposta a consumir tal pitéu, acompanhando-o com um copo de três. O cheiro pairava até à esquina da rua! Ao lado havia uma escada que dava acesso a um «estabelecimento de pecado». Tantas vezes passou por ali que dava já conta dos hábitos daquela gente. Todos os dias lá estavam elas, as raparigas de vida fácil – as que não estavam de serviço no momento –,na tasca chungosa, em chungosa cavaqueira com os frequentadores da taberna e alguns chulos que faziam parte da corte. Secretamente, João confessava ter um fraquinho por uma morena de cerca de trinta anos, de fartas mamas a transbordarem de uma blusa vermelha atada junto do umbigo com um laçarote. Naquele tempo, a mini-saia já havia sido inventada por esta gente, por ser um factor altamente poderoso de publicidade ao produto! E, assim, lá ia  o João passando tais momentos, deleitando-se com aquelas pernas robustas, bem enquadradas, que já faziam parte dos seus eróticos sonhos nocturnos.
Chamava-se Olga e, por trabalhar no prédio com o número catorze, alconhou-a de «Olga do Catorze».
Houve um dia que Olga reparou nele, chamou-o e deu-lhe um beijo repenicado na face. João concluiu que ela tivera um acesso de ternura. Ter-lhe-á feito lembrar um filho de mil pais, que nunca pôde usufruir de tal gesto, sabe-se lá porquê!
E assim foi decorrendo o tempo, e João, já louco de paixão por ela, não havia noite que não sonhasse com as suas fartas mamas e pernas roliças. Um dia encheu-se de coragem. Calcorreou a Rua do Carmo atravessando o Rossio e, num ápice, lá estava ele no Martim Moniz já perto da Rua das Atafonas, não havendo mais nada naquele momento que não fosse desejo e medo. subiu a escada, impregnada de um cheiro a bafio, que rangia a cada passo que dava. Queria fugir, mas algo o impelia a avançar para que continuasse como se uma força poderosa tomasse conta do seu ser. E assim, lá entrou: tímido, corado, mas resoluto. Agora já não podia voltar para trás. A porta, sempre aberta, acabou por expô-lo inevitavelmente, colocando-lhe à frente um quadro surrealista: sentadas, de pernas abertas, num banco corrido junto à parede, mulheres de idade indefinida, de ar usado, de atracção para o abismo, aguardavam que alguém lhes fizesse sinal para o encaminhar para a alcova. Os homens bebiam metodicamente com as mulheres sentadas ao colo. Uma delas dirigiu-se-lhe e fez-lhe uma carícia perturbadora. João conteve-se. Observou-a. Era uma mulher triste, que se cansara de esperar pelo homem da sua vida: vivia dos homens que ficavam, dos que foram e dos incontáveis homens que no seu caminho se cruzaram. Durante a espera, esvaziaram-se-lhe os seios e apagara-se-lhe a chama do coração. Ficou especado no meio da sala, sem saber o que fazer! Parecia uma cena tirada dum filme italiano, do pós-guerra. Mas eis que uma porta se abre e aparece a «sua» Olga que, despachando rapidamente um cliente, se dirigiu ao João, agarrou-o pela mão e disse: Então querido é desta vez que vais ficar sem «eles»? Acanhado, tentou balbuciar qualquer palavra, mas não conseguiu que nada saísse da sua boca. E lá foi quase arrastado, como um autómato, para o quarto donde ela acabara de despachar o cliente. Um odor estranho tomava posse dos seus sentidos, arrefecendo quase por completo todo o desejo inicial. Uma vez ali, ela ordenou que se despisse e colocasse a roupa numa cadeira cambada, enquanto pegava num toalhete de uma prateleira ali existente para o efeito. Depois despiu-se, tirando apenas o saiote, e lá ficou, na cama, de braços abertos, esperando que João se preparasse. Entretanto, ia comendo uns tremoços que se encontravam num prato na mesinha-de-cabeceira. Mastigava-os depressa e atirava  para o chão as cascas, insistindo com ele para que se despachasse. Rapidamente, João viu-se envolvido nos seus fartos seios e ela, com uma perícia de mestre, acariciou-lhe o sexo, enquanto ele, desajeitadamente, procurava metê-lo em qualquer sítio. Calma, filho! Não tenhas pressa. Depois, com jeito, conduziu-o para dentro de uma coisa quente e molhada. Após um orgasmo apressado e sem glória, ouviu-a dizer: Pronto, já esta! E não digas a ninguém que foi de borla.
Vestiu-se, muito frustrado, correu daquele miserável antro a que chamavam quarto e, já na rua, respirou aliviado.
Depois, empertigando-se, pensou: «Valeu a pena. Cumpriu-se o ritual. Foi a minha primeira vez»...

1 comentário:

  1. Gosto muito deste "destaque" episódico de um dos personagens do romance "No dorso do Vento". Não porque seja uma mais valia na história bem recheada de situações bem mais interessantes e de fino recorte literário mas, porque encerra uma atitude, essa sim, de grande valia, a juntar ao meu conceito que há muito tenho da autora, como sendo uma mulher muito interessante!

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