Há muito que resolvi vestir a roupa do desapego, ficar
sem tempo para odiar quem me odeia e ocupá-lo com quem me ama.
Um amor que despertou em mim todos os desejos. Um amor
que vive de gestos e palavras ditas com a beleza de um discurso ao sabor dum
romantismo que, nos dias de hoje, tende a desaparecer.
E não me arrependi.
Não perco tempo a compreender o passado. Passou. Aprendi
a conhecer o amanhã. Levanto a cabeça. À minha frente, há uma linha erecta,
justa, que me permite perceber que é esse o caminho certo.
Perceber que se não tratar do meu jardim não conseguirei
colher as rosas, que se não procurar um filho, nunca o encontrarei, que a
amizade pode morrer na mentira, que o amor é perene como o sol que a beleza
abre muitas portas mas que é o bom carácter que as mantém abertas e que a vida
tem de ser uma plataforma giratória de afectos.
Não me importa uma boa dose de amnésia se ela der lugar à
sabedoria, à sapiência. Não importa que meu rosto perca frescura, se o espelho
ainda me envaidece com sonhos. Não importa que o meu corpo reinvente novas
formas, se eu sei que se me emprestou na maternidade. Não importa que as minhas
mãos percam firmeza e beleza se elas estiveram comigo em muitas histórias. Não
importa que não liguem ao meu escrevinhar se sei que quem escreve, reparte.
Não! Não sou uma heroína: nunca ganhei uma guerra, mas
venci muitas batalhas, nunca permitindo ser derrotada por um falhado mas por um
adversário forte, conhecendo os opostos, vencendo focos de instabilidade, tendo
como única arma o meu amor-próprio num espaço comum, numa cumplicidade
vitoriosa.